Livro

ALABASTRO


Maria de Lourdes Prata Garcia

Capa: André Prata

Adversativas

 

solto os pés do chão...

subo em ofertório

pelas alças de quimeras...

porém

a realidade chã e severa

clama a mim, poeta:

- o que você espera?

somente

sussurro a responder:

- busco o estilo nobre

da arte de viver...

contudo

escrevo, e nessa lavra

prossigo a subida

no doce labor da palavra

todavia

na vida prática e rude

o vate se debate

até o dia do ataúde...

 

 

simbolismos

 

com meu par, voar, voar...

coroarmo-nos de arco-íris

brincar de deslizar

e despejar o dourado solar...

na fantasia de sete cores,

resplandecermos na alvura

na pureza do branco...

 

Reviravolta

Deixei de ser romancista

cansei de ser escrivã

e como qualquer santista

fui à praia, folgazã.

 

Com baixos de preguicista

e os altos de ermitã,

tudo me disse: - Desista,

vida não é tobogã.

 

Resolvi ser uma artista

mas encontrei um galã

que não valeu a conquista

e transformou-me em vilã.

 

De modo muito egoísta,

sem pensar no novo afã,

pra fotos numa revista

tirei fácil, o sutiã.

 

Por um tempo fui farrista

com jeito de cortesã...

e nesse agir modernista,

envergonhei o meu clã.

 

Isso embaçou minha vista

e me deixou muito chã

quando, em visão surrealista,

senti minh'alma, anciã.

 

De atitude pessimista,

perdida sobre o divã,

confessei ao analista

que eu descria do amanhã.

 

Era alguém idealista

que me tratou como irmã

e com afeto altruísta

fez-me sentir cidadã.

 

Dessa maneira humanista,

eu diria, até cristã,

do Bem recebi a pista

e assim, voltei a ser sã.

O Calendário


dispensa as folhas...

o tempo agride...

a ampulheta se esgota...

e o velho entra

em espiral ascendente

e descendente...

 

Sou

arandela de alto custo

com detalhes em ébano

embutida no biombo discreto

de tua pele sensível.

Acende-me...

Brilharei!

 

 

Martírio

Quem dá a vida por seus irmãos, não é santo?

Então, falemos de sóror Joana Angélica,

a abadessa de um convento.  Amou tanto

que enfrentou, desarmada, a lusa turba bélica.

 

Arrombaram portas, arrasaram altares,

inconformados com o grito de independência,

depois de calarem com a baioneta, os pulsares

de um coração heróico, contrário à violência.

 

Foi na Lapa, em Salvador, Bahia, o martírio

da mulher que as religiosas protegia,

ciente de que lá no céu se acendia o círio.

 

No Brasil, lutava-se pela liberdade

enquanto, com sangue, a freira idosa partia

para enfim, gozar da eterna felicidade.

 

Joana Angélica - 1761 - 1823

 

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