SINE CERA
Os romanos antigos tinham predileção por estátuas: as residências mais nobres eram adornadas com belas esculturas, sinal de "status", de alto valor social.
Quando algumas quebravam, eram reconstituídas por artistas que usavam um tipo especial de cera e as tornavam perfeitas outra vez. Readquiridas por novos ricos, iam novamente, ocupar lugares estratégicos para enfeitar jardins e entradas de palácios.
A cera, porém, não agüentava as intempéries: chuva, vento, poeira, sol; assim, ia se desgastando, derretendo ou mudando de coloração, deixando em evidência o remendo mal feito.
Os romanos ludibriados aprendiam a escolher as estátuas e a exigir dos vendedores:
-Sine cera !
A expressão chegou até nós como "sincera", isto é, sem cera, sem falsificações. A estátua de Vênus, deusa do Amor e símbolo da beleza, é bi-maneta; lascada e deturpada nos dias de hoje, como o próprio sentimento que representa. Mas, apesar de tão desfigurada, claramente deixa entrever a beleza, a plenitude, a perfeição. Deduzo que o propalado dom do Amor é maravilhoso, incontestável, insuperável, quando encontrado protegido das calamidades da vida e quando esculpido em estado completo, absoluto, por um grandioso artista.
Mas..., perfeito, absoluto, só Deus é...
Pobres de nós, mortais que amamos, escorregando na cera...
Lóla Prata
A
IDOSA E A CRIANÇA
Setembro
de 1993
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Lóla Prata
O NEGÓCIO É SÉRIO
Aquele
indivíduo, funcionário eficiente, temperamento expansivo,
educação fina, sem defesas, sorria para todos. O Público a
quem atendiam, não o pertubava, trazia-lhe satisfação, pois
aproveitava os contatos, conversava com todos, vivia em paz. O
funcionário continuava na mesma toada: de bem com a vida,
transmitia serenidade e angariava amigos.
Menos, a consideração do chefe,
que permanecia inconformado. Não era possível! Não
compreendia! Atender gente o dia todo, durante meses seguidos e
continuar com o sorriso nos lábios, tratando bem a todos, até
mesmo aos reconhecidamente chatos (?); devia ser pouco serviço,
ajuizava ele. Então, começou a premiar o rapaz com mais
atribuições. Quanto mais sorriso, mais serviço.
Agora, o rapaz só dava conta da
papelada, se ficasse fora do horário de expediente. Por um
tempo, não reclamou, o salário era bom, então, correspondia da
melhor maneira possível.
Mas, um dia, sua jovem esposa
queixou-se da ausência dele no lar, da falta de companhia, pois
queria-o ao seu lado para conversas sobre a vida, para lazer e
lamentava o horário de seu regresso do trabalho, o que acontecia
lá pelas 21 ou 22 horas.
Ele percebeu que há muito não se
distraia, só preocupado com o acúmulo de responsabilidades no
escritório. Sentiu o semblante sério e carregado. O espelho da
sala lhe revelou raiva, cansaço físico e mental. Cara amarrada.
Insatisfação com o ordenado.
Aí, a triste resolução: pede
demissão, não real, mas psicológica, do trabalho. Limitou-se
ao essencial. Nunca mais sorriu nos dias da semana.
Passou a ser feliz apenas aos
domingos.
Lóla Prata